sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre válvulas brônquicas e lobos: uma perspectiva de esperança no tratamento do enfisema pulmonar


Por Amarilio Macedo – Porto Alegre, RS, Brasil


O começo


Um renomado broncologista americano uma vez provocou, no bom sentido, o Dr. Hugo Oliveira, acerca de uma nova modalidade para o tratamento do enfisema pulmonar. Envolvia a área da endoscopia respiratória, “menina dos olhos” desse obstinado gaúcho de Uruguaiana. Era 2001. Um enorme desejo em conhecer essa novidade terapêutica assomou o espírito do Dr. Hugo. Pelo meu lado, um novo milênio pedia novos movimentos; eu havia me imposto o desafio de um pós-doutorado no outro lado do Atlântico. Lembro de minha surpresa ao ler o email do Hugo sobre o assunto. Reagi com um misto de incredulidade e preocupação com o amigo. Mas, por essas coincidências da vida, na mesma semana, no hospital francês onde eu estava, tinha acabado de chegar um estudante turco que estagiara em Harvard e havia conhecido pesquisadores que buscavam reduzir o volume do pulmão sem cirurgia, imaginando um dia poder tratar pacientes com enfisema. Percebi que deveria achar tempo para estudar a matéria. Formava-se, naquele momento, uma intensa cumplicidade científica que iria enriquecer ainda mais a sólida amizade de fronteiriços que somos.


O meio


Como professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul realizamos, em maio de 2002, um treinamento prático em San Francisco (EUA), credenciando o Hospital de Clínicas de Porto Alegre a albergar um estudo fase II que arrolou 19 pacientes. Os dados geraram artigos científicos, que estão entre os primeiros que foram publicados na literatura mundial, bem como serviram de base para a tese de doutorado do Hugo. A Claudia Buchweitz desde cedo passou a emprestar sua competência redatorial facilitando nossa produção intelectual. Apresentávamos o tema tanto nos congressos de pneumologia (Hugo) como de cirurgia torácica (Amarilio). Pelas nossas mãos, Porto Alegre entrava no seleto mapa mundi do tratamento minimamente invasivo do enfisema pulmonar, juntamente com Sidney, Londres, Hong-Kong, Berlim e Roma. No Congresso da American Thoracic Society em 2007, nosso artigo sobre long term follow-up foi reconhecido como um dos pilares no campo do tratamento com válvulas endobrônquicas. Era o momento de ancorar de vez o projeto em uma Instituição. Uma robusta conjunção entre trajetória profissional e tradição familiar fez com que a escolha, por óbvio, recaísse no Hospital Moinhos de Vento (HMV). Finalmente, outro ponto fundamental no intermédio de nossa trajetória foi o embarque dos doutores Silvia de Oliveira, Enio do Valle e Sergio Pinto Ribeiro, cada qual com seu jeito e suas habilidades, mas todos craques na medicina e com distinguida visão global do paciente e sua família. Ganhamos densidade científica, espírito crítico, organização e passamos a vislumbrar novos horizontes no desenvolvimento de tratamentos minimamente invasivos para as doenças pulmonares. Nascia o Núcleo de Tratamento do Enfisema do HMV.



Atualmente


Todas as segundas-feiras, entre 18h40 e 20h, nos reunimos no Moinhos para discussão de casos a serem tratados e a avaliação de exames enviados por possíveis candidatos à colocação de válvulas brônquicas. A Simone Dorneles responde pela secretaria e contato com pacientes, ajudando a Claudia nas lides administrativas do Núcleo. Com apoio da Superintendência Médica e Administrativa do HMV, foi elaborado um plano de negócio. Aprovou-se um espaço exclusivo a ser dedicado para o Núcleo do Enfisema, numa área de aproximadamente 65 m2, no 2º andar prédio da Ramiro Barcelos. Deverá ser inaugurada no segundo semestre de 2010 e será um marco definitivo para a visão profissional que o projeto merece. O site www.enfisema.com.br está no ar, com uma proposta moderna e vantajosa para pacientes e médicos. Traz informações variadas e este blog, que visa a constante e imediata comunicação entre as pessoas que nos procuram e os membros do Núcleo. A inserção na mídia leiga ocorreu praticamente de forma espontânea, sendo seu ponto alto a publicação de uma reportagem de capa na Folha de São Paulo. Presentemente temos 51 pacientes tratados e mais de 150 válvulas colocadas, configurando uma das maiores experiências do mundo -- tanto é que já habilitamos 13 médicos em dois cursos hands-on realizados no HMV. No segundo semestre de 2010 ocorrerá o III Curso, e esse será voltado para médicos sul-americanos. Inicialmente virão dois grupos da Argentina, um do Uruguai e um do Chile.

Lobos


Lendas sobre lobos dão conta de um simbolismo com a liberdade. Dizem mesmo que eles procuram algo desconhecido, e por isso estão sempre em movimento. O tratamento do enfisema pulmonar com válvulas endobrônquicas tem-nos possibilitado vivenciar a sensação de liberdade envolvida no processo de criação do conhecimento médico. É isso que estamos fazendo e registrando. Da mesma forma que ocorre com os lobos, nosso grupo atua em interdependência. Aliás, um conceito que se aplica muito bem na fisiologia dos alvéolos pulmonares.